Uma nova leva de notificações extrajudiciais e cobranças pelo download irregular de filmes está chegando aos usuários de torrent no Brasil. Além dos casos reportados pelo Canaltech no final do ano passado, três novos títulos fazem parte desta onda de avisos, que chegam pelos Correios e trazem informações da conexão de internet utilizada para realizar os downloads, assim como dados pessoais de seus usuários.
As cartas se referem a downloads realizados em meados do segundo semestre do ano passado, de filmes como Posto de Combate, After: Depois da Verdade e Ava. Todos foram lançados oficialmente no Brasil e se juntam às notificações que vêm sendo emitidas desde 2020, com novos avisos, também, sendo mandados a quem fez o download de produções como Invasão ao Serviço Secreto, Hellboy e Rambo: Até o Fim, citados na reportagem publicada em novembro.
O Canaltech teve acesso a uma das notificações, compartilhada pelo Partido Pirata e enviada a um cliente da operadora Claro cuja conexão teria sido utilizada para download do filme Ava, com direito a dados como data, horário, endereço IP e o software utilizado. É solicitado um retorno em cinco dias, além do cumprimento de algumas exigências que envolvem apagar a cópia irregular do filme de qualquer dispositivo, interromper o uso de torrents para tais fins e garantir que a conexão não seja usada por terceiros para isso.
Na parte que mais causa temor aos usuários, é citado um comprometimento em “ressarcir proporcionalmente os prejuízos causados” à detentora dos direitos autorais, que na carta vista pela reportagem, é uma empresa chamada Eve Nevada, LLC. O documento assinado pelos escritórios Márcio Gonçalves Advogados e Cots Advogados não fala em valores, mas em avisos antigos, emitidos pela Kasznar Leonardos Advogados, o montante solicitado chegava a R$ 3 mil.
Exemplo de carta enviada a usuário que teria baixado Ava. De acordo com escritório, notificações têm caráter educativo para os adeptos dos downloads e compensatório aos estúdios de cinema (Imagem: Reprodução/Partido Pirata)
De acordo com o Partido Pirata, responsável por indicar o envio de novas notificações ao Canaltech, os acordos com relação aos pagamentos desta nova onda são feitos por telefone, podendo variar de R$ 500 a R$ 2 mil. Termos adicionais incluiriam multas de até R$ 50 mil em caso de reincidência.
Os dados dos usuários são obtidos após pedidos de quebra de sigilo, feitos pelos escritórios de advocacia em nome dos detentores de direitos autorais — o Marco Civil da Internet protege o direito à privacidade dos clientes a não ser em casos como este, que envolvem um pedido judicial de liberação. Os trâmites, também, explicam porque downloads feitos em agosto de 2020, por exemplo, foram assunto de cartas enviadas apenas em fevereiro deste ano.
Aumento de casos
De acordo com Márcio Gonçalves, advogado e fundador de um dos escritórios responsáveis pelo envio das cartas, as notificações fazem parte de um programa de defesa da propriedade intelectual que é liderado pelos estúdios de cinema norte-americanos. “Existe uma forte tendência dos detentores de direitos autorais em protegerem suas propriedades por meio de procedimentos administrativos, como os avisos enviados, bem como ações judiciais cíveis ou até criminais”, explica, apontando que esse movimento também acontece nas indústrias da música, softwares e games, por exemplo.
Até onde se tem notícia, usuários que realizaram o download de seis filmes já receberam notificações. Rambo: Até o Fim e Ava estão na lista, junto com Invasão ao Serviço Secreto, After: Depois da Verdade, Posto de Combate e Hellboy (Divulgação/Imagem Filmes)
De acordo com ele, o envio de notificações vem ganhando força no Brasil, principalmente com o crescimento dos números relacionados à pirataria e à presença cada vez maior de plataformas digitais no país — segundo Gonçalves, além de Ava, seu escritório também foi o responsável por enviar avisos relacionados a downloads de Rambo: Até o Fim. O advogado, entretanto, não precisou exatamente quantas ou quais produções estão sendo alvos de procedimentos desse tipo, adiantando apenas que mais pedidos de quebra de sigilo estão em andamento, de forma que usuários de torrent em redes de outras operadoras também possam ser identificados.
“[Campanhas como estas] servem também para contribuir com a compreensão de que se utilizar de uma propriedade de terceiros, sem autorização nem remuneração, não deve ser aceito. A propriedade intelectual, em nosso país, não é tão valorizada quanto necessitaria”, completa o advogado. Na visão dele, o programa tem caráter educativo, principalmente, quando leva adiante a ideia de que a pirataria é crime, que gera grandes prejuízos aos estúdios de cinema. “As notificações buscam a recuperação de parte destes prejuízos e são uma boa chance, aos usuários, de resolver a questão fora do âmbito do Poder Judiciário.”
Na visão do Partido Pirata, os casos podem ser considerados como mais uma ação de copyright trolls, termo que se refere ao uso de notificações judiciais, ameaças de processo e outras atitudes consideradas agressivas para obter lucro a partir de questões ligadas à proteção dos direitos autorais. Nas redes sociais, a organização segue orientando e recebendo relatos dos notificados, indicando que as cartas sejam ignoradas, sem realização de pagamento.
Pedidos de ressarcimento podem chegar a até R$ 3 mil, com direito a multas por reincidência; Partido Pirata fala em ação de copyright trolls e pede que usuários ignorem notificações (Imagem: Divulgação/Netflix)
Em janeiro, também foi publicada uma nota conjunta contra a ação dos copyright trolls, assinada pelo Partido Pirata e outras organizações nacionais, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Creative Commons Brasil e a Coalizão Direitos na Rede, além de grupos de estudos e pesquisas em direitos autorais e tecnologia. O documento, disponível online, inclui explicações sobre a coleta dos dados pelos detentores de direitos autorais, as ações que estão sendo tomadas e de que maneira devem agir aqueles que receberem as notificações sobre o download de torrents.
O Canaltech entrou em contato com as distribuidoras California Filmes e Diamond Films, responsáveis por distribuir oficialmente no Brasil os longas Posto de Combate e After: Depois da Verdade, mas não recebeu respostas. Já a Netflix, que trouxe Ava ao Brasil por meio do streaming, confirmou por meio de sua assessoria não ter qualquer envolvimento no envio das notificações.
Fonte: Canaltech
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