Após oito anos de trabalho, o primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, integrado, testado e operado no Brasil já tem sua data final de lançamento: o Amazônia-1, que vai observar e monitorar o desmatamento amazônico, será lançado na missão PSLV-C51, da agência espacial indiana Indian Space Research Organisation (ISRO) durante a madrugada de 28 de fevereiro. O lançamento ocorrerá na cidade de Sriharikota, com o foguete Polar Satellite Launch Vehicle (PSLV).
Anteriormente, o lançamento estava marcado para ocorrer em 22 de fevereiro, mas a provedora solicitou um adiamento porque observou a necessidade de realizar mais alguns procedimentos. Durante a preparação, as equipes notaram que iria demorar um pouco mais que o planejado para preparar o terceiro e quarto estágios do veículo de lançamento, mas, enquanto trabalhavam, o primeiro estágio já estava montado na base e o satélite passava pela finalização. Foram necessários 30 dias de atividades na base de lançamento para a equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) finalizar a preparação do satélite, concluída em 23 de janeiro.
O lançamento do Amazonia-1 é uma das mais de 30 missões planejadas para os próximos dois anos (Imagem: Reprodução/ISRO)
Desde o início de seu desenvolvimento, o satélite já passou por diversos testes no laboratório do INPE em São José dos Campos, município do interior de São Paulo. Na primeira etapa do procedimento, os vários quilômetros de cabos e conectores foram avaliados. Depois, seus subsistemas foram analisados, seguidos da integração dos módulos para que as equipes verificassem o comportamento do conjunto completo. Nas etapas quatro e cinco, foram feitos os testes ambientais, com mais três que precisam ser feitos na base de lançamento.
Após tantos procedimentos, o Amazônia-1 foi embarcado no voo com destino à Índia no final de dezembro de 2020, com seus componentes distribuídos em mais de 52 contêineres especiais para que, assim, o transporte dos módulos fosse feito em segurança. Com quatro metros de comprimento, quase seis quilômetros de cabos e mais de 14 mil conexões elétricas, este é o primeiro totalmente desenvolvido por pesquisadores do instituto no Brasil. A ideia é que o satélite seja utilizado em apoio a outros dois no sistema de alerta Deter para enviar sinais às estações de monitoramento de Cachoeira Paulista, Cuiabá e Alcântara e, assim, contribuir para a observação e monitoramento do desmatamento da região amazônica.
Foram necessários 52 contêineres para o transporte do satélite e de seus equipamentos (Imagem: Reprodução/INPE)
Clezio de Nardin, diretor do INPE, se mostrou bastante orgulhoso em fazer parte de um momento tão importante para o nosso país: “para termos o satélite preparado para envio para a base de lançamento, contamos com o empenho de centenas de pessoas com o trabalho incansável de anos de preparação”, disse em entrevista coletiva. “Os desafios foram muitos, mas como resultado, estamos a poucas etapas de concluir o ciclo completo de um satélite totalmente desenvolvido, integrado, testado no Brasil e pelo Brasil”.
Já Carlos Moura, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), destacou o privilégio desta conquista para o programa espacial brasileiro: “isso se deve muito à capacidade tecnológica das pessoas e ao desenvolvimento científico, mas também ao esforço logístico que segue até chegar à Índia", disse em entrevista. Hoje, a Índia e o Brasil têm alguns acordos assinados. Em 2004, foi assinado um termo para a cooperação espacial e outro para a colaboração entre a agência espacial brasileira e a indiana; já em 2014, um novo documento sinalizava que a ISRO deveria disponibilizar os dados produzidos por seus projetos para o Brasil.
Por dentro da Missão Amazônia
O Amazônia-1 é, na verdade, parte da Missão Amazônia, também criada pelo INPE. O maior objetivo do projeto é obter dados coletados por sensoriamento remoto para que, assim, seja possível observar e monitorar o desmatamento vigente na região amazônica e a agricultura em todo o território brasileiro, com atuação aliada a programas ambientais já existentes. Para isso, a missão irá contar com os outros dois satélites, chamados Amazônia-1B e Amazônia-2. Quando os três estiverem em ação em suas órbitas, o tempo de revisita de um determinado lugar pode cair de quatro dias para no máximo dois, o que aumenta as possibilidades de obter imagens claras e sem a interferência de nuvens.
Isso ocorre porque o sensoriamento remoto, que irá produzir as imagens do Amazônia-1, pode ser feito com satélites ópticos e de radares; no primeiro tipo, a radiação não atravessa nuvens e não consegue produzir dados sobre o que há abaixo delas — o que não acontece nos satélites de radar, apesar da desvantagem de precisarem de mais tempo para o processamento das imagens. Já próximo do lançamento, o Amazônia-1 será utilizado para a validação da Plataforma Multimissão (PMM), também desenvolvida pelo instituto: trata-se de um Módulo de Serviço que pode ser usado em satélites da classe de 500 kg, que conta com todos os recursos necessários para o funcionamento de cargas úteis diversas em órbita. Assim, o componente possui equipamentos destinados à geração de energia, controle térmico, produção de dados e telecomunicação.
A Plataforma Multimissão (Imagem: Reprodução/INPE)
A maior vantagem da plataforma multimissão é a redução de custos e desenvolvimento de novas missões que possam usá-la como base, porque depois que a primeira plataforma é desenvolvida e qualificada, não é mais necessário mais passar pelas longas etapas típicas de desenvolvimento e avaliação dos projetos espaciais. Já o Módulo de Carga Útil comporta a câmera que irá produzir as imagens e equipamentos de gravação e transmissão dos dados coletados.
Para produzir imagens da Terra, o Amazônia-1 vai operar na órbita heliossíncrona, que foi cuidadosamente projetada para garantir que grandes quantidades de dados sejam produzidas de um mesmo local do planeta com eficiência. Outro aspecto interessante é que o satélite sempre vai cruzar a linha do Equador entre 10h15 e 10h45 no horário local, como uma forma de garantir condições de iluminação constantes nas imagens — desta forma, imagens produzidas em locais iguais podem ser comparadas com mais eficiência durante o ano todo.
Made in Brazil
De acordo com estimativas da Agência Espacial Europeia (ESA), existem hoje mais de 20 mil objetos em órbita em torno do nosso planeta. Apesar de o cálculo se referir a detritos espaciais maiores que 10 cm, menos de dez entram para a conta dos satélites do nosso país, embora o novo integrante esteja bem próximo de fazer parte dessa lista. Tímido, o papel brasileiro no desenvolvimento de satélites de missões nacionais teve início com a fundação do INPE, em 1971. Como o nome indica, a instituição foi criada para desenvolver a pesquisa e exploração espacial.
O primeiro satélite nacional demorou mais um pouco para entrar em cena: foi apenas em 1993 que o SCD-1, o primeiro dispositivo nacional para a coleta de dados com o espaço, foi criado; lançado com um foguete Pegasus, este é um satélite com período orbital de 1h40, que opera à altitude de 750 km. Naquela época, os satélites da linha atuaram em diversas operações ambientais e científicas, com destaque para o monitoramento de bacias de rios. Já em 1998, a missão do SCD-1 foi complementada pelo SCD-2.
O SCD-1 durante testes no Laboratório de Integração e Testes (Imagem: Reprodução/INPE)
A história dos satélites brasileiros continuou por meio de uma parceria feita entre o Brasil e China, que resultou nos satélites da série CBERS: o CBERS-1, o primeiro deles, foi lançado com um foguete Long March IV-B em Taiyan, na China, em 1999; depois, vieram os CBERS-2 e 3CBERS-1, lançados em 2003 e 2007, respectivamente. Mais satélites da série foram lançados posteriormente, e a construção dos CBERS-5 e 6 também faz parte da parceria com a China. Posicionados em órbitas heliossíncronas, os satélites da missão CBERS ofereceram grandes contribuições científicas para o Brasil em estudos de desmatamento, controle de incêndios na região Amazônica e monitoramento de recursos hídricos.
Com participação tão discreta, fica mais fácil de entender por que o Amazônia-1, cujo projeto foi iniciado em 2008, deverá mudar o perfil do Brasil quando o assunto é o desenvolvimento de satélites: "começamos do papel em branco, projetamos equipamento a equipamento com 70% de investimento da indústria nacional e só compramos aqueles impossíveis de fabricar aqui", diz Adenilson Roberto da Silva, coordenador do Programa de Satélites Baseados na Plataforma Multimissão do Inpe. Agora, o ciclo de desenvolvimento do satélite de imagens completamente produzido em solo nacional está prestes a se encerrar e para dar início a outros, com novas conquistas.
Fonte: Gov.br, Inpe (1, 2, 3), Agência Brasil, National Geographic, G1, Business Standard
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